domingo, 22 de fevereiro de 2009

...uma lenda, alguns grãos de Guaraná e a base de uma Industria. (Reportagem muito bonita)

Minha afirmação de outrora ainda sustenta-se: o globo rural, é sim, o melhor programa da Globo (seguido de longe por Altas horas).
Nesse dominus die, 22 de fevereiro, foi ao ar uma reportagem sobre a cidade Maués/AM, conhecida pelo nome de Terra do Guaraná. Vale a pena conferir.



Uma viagem à terra do guaraná

Vou marcar as partes de meu interesse*.

Em Maués, é o guaraná que movimenta a vida rural. Ele é tão importante, por aqui, que foi criado até um museu para contar e preservar sua história. As fotos mais antigas mostram os índios satere-maués pilando o grão.

Numa das salas há uma réplica do tacho de barro usado por eles, para torrar o guaraná. Valéria Freitas, a responsável pelo museu, nos conta a lenda do guaraná.

Moravam três índios, três irmãos. Uma era uma moça e essa moça se chamava Onhiamuaçabé. Ela era virgem e um dia, caminhando pela floresta, passou uma cobra, encostou nela e ela engravidou dessa cobra.

“Os irmãos não gostaram da idéia, então quando nasceu o bebê eles pegaram, mataram a criança. Quando Onhiamuaçabé encontrou ele, ela encontrou os dois olhos que foram tirados o olho direito, ela enterrou e desse olho nasceu o pé de guaraná. Ela disse que ele seria abençoado, que ele ia curar doenças, que ia fazer o bem para as pessoas”, conta Valéria.

Como diz a lenda, o fruto do guaraná maduro, realmente parece um olho. Tanto a casca quanto a parte branca são descartadas. Apenas o grão de cor preta é usado comercialmente.

A planta é originária da Amazônia. É um arbusto, que em plantação aberta, não passa de três metros de altura e gosta de clima quente e úmido.

Os frutos dão em cachos. É da família das sapindáceas, parente da pitomba e de algumas frutas chinesas como a lichia ou o rambutão.

Na Embrapa-Amazônia Ocidental, um time de cientistas busca maior eficiência no cultivo da planta. Em duas décadas de pesquisa, eles montaram um banco de germoplasma, com mais de 1.500 plantas coletadas em diferentes regiões do estado do Amazonas.

E já lançaram 12 variedades mais produtivas e resistentes à principal doença do guaranazeiro, a antracnose, que é causada por um fungo.

Até 2010, a Embrapa pretende lançar outras quatro variedades resistentes a essa doença. “Quando você trabalha com um material só, pode surgir uma raça nova desse fungo e atacar a variedade o produtor que tiver só um material plantado, ele vai perder 100% da sua lavoura, do seu plantio”, diz Firmino Nascimento, agrônomo da Embrapa.

O guaranazeiro é uma planta perene: rende safra todo ano, de outubro a janeiro e pode produzir por pelo menos duas décadas.

As comunidades rurais da região de Maués ficam isoladas. O técnico agrícola Ernandis Barbosa, conhecido como Top Line, só consegue chegar às propriedades depois de horas de barco.

Chegamos ao sítio do seu Manuel Messias, que é conhecido como Seu Maranhão. “Não ignora o nosso lugarzinho não, que é muito feinho, mas estamos aqui para receber qualquer pessoa”, diz ele.

De feinho o lugar não tem nada, basta acompanhar a colheita de Seu Maranhão e da mulher dele, a dona Graça para ver uma das plantações mais bonitas que já encontrei. O guaranazal de Seu Maranhão é uma referência da Embrapa.

No mesmo cacho nem todos os olhos desabrocham de uma vez só. Como saber quando está bom para colher? “Quando o cacho está 60% aberto, aí sim pode cortar, está pronto para ser colhido. Os outros, que ainda não estão prontos para a colheita, ficam no próprio pé por mais dois ou três dias que ele continua abrindo aos poucos e a gente vai acompanhando. Isso é muito importante pra nós comermos porque se ele abrisse tudo, era até pior pra gente colher ”, diz seu Maranhão.

“Seria ruim se ele abrisse todo igual. Imagine ter que colher quatro hectares de guaraná de uma só vez?”, pergunta Seu Maranhão. “Íamos perder parte da produção ou então gastar dinheiro para contratar mão-de-obra extra”, completa ele.

O técnico Top Line aproveita a visita para fazer uma inspeção e orienta o agricultor. “Se o senhor fizesse uma poda nesse galho, o cacho seria maior e mais produtivo”, diz.

Seu Maranhão e sua esposa, Dona Graça, levam os paneiros cheios para casa de farinha, que virou local de beneficiamento do guaraná. Ela se junta às filhas para tirar os frutos do cacho. Tarefa que, no passado, fazia ao lado da mãe.

Como todos os produtores por aqui, Maranhão, beneficia o guaraná de forma tradicional. Depois de 24 horas de colhido, o fruto é descascado com os pés. “Isto não machuca os pés, o problema é que demora”, fala Seu Maranhão.

Seu Maranhão junta um pouco do guaraná colhido e já descascado para nos mostrar o processo. “O caroço está ficando concentrado aqui, no fundo do paneiro. São dois trabalhos de uma vez, foi lavado e descascado”, mostra ele.

De volta à casa de farinha, ele vai torrar o grão em tacho de barro, do mesmo tipo usado pelos índios. O fogo tem que ser alto e é preciso mexer o tempo todo.

“Quando ele estiver estalando assim é porque está torrado. Tem que deixar até duas horas nesse paineiro, para depois ir para a sacaria”, completa.

Há alguns anos ele quase abandonou a cultura. Hoje, acompanha a recuperação dos preços e vende parte do que produz para a fábrica de refrigerante que se instalou no município.

“Vendo para a indústria cerca de 60% da minha produção. Os 40% restantes é vendido retalhado. Tem vezes que trocamos o guaraná por outras mercadorias, como açúcar, arroz e outros mantimentos que precisamos”, diz Seu Maranhão.

O agricultor ainda tem mais algumas semanas de colheita pela frente. Ele prefere juntar uma quantidade maior de sacas na hora de vender, para economizar no transporte até a cidade de Maués.

Em Maués, o guaraná que dá sabor, também vira arte. Pode ser uma bijuteria, artigo de cozinha ou pequenas esculturas. São peças curiosas como essa orquestra de macaquinhos, tudo feito de guaraná.

As artesãs se uniram numa associação e revivem uma tradição quase perdida. Para fazer o artesanato, elas misturam no pilão o guaraná em pó com água. E vão modelando a massa. Não usam cola. E, aos poucos, vão surgindo os frutos, bichos e os curiosos macaquinhos.

“Na colheita do guaraná os macaquinhos ficam pulando em cima das árvores, de um lado pra outro. Aí, os produtores ficam chateados com os macaquinhos porque eles ficam jogando a flor do guaraná que está aberto. Aí, então todo mundo resolveu fazer os macacos em homenagem aos produtores rurais, aos produtores do guaraná”, conta uma artesã.

É na modelagem para o artesanato, no preparo da bebida e nos traços de cada rosto. Por todo lado, aqui na região, a cultura ancestral dos Satere-Maués imprime sua marca. Uma cultura que legou ao mundo o jeito de cultivar e consumir esse frutinho amazônico, inconfundível na aparência e no sabor.

“O guaraná na vida da gente é uma identidade. Então, o orgulho que eu tenho é de ser de Maués e dizer que, aqui, nós produzimos guaraná e eu nunca vou querer que isso saia daqui. Para sempre ser chamada a terra do guaraná”, diz Ernandis.

Em todo o Brasil, o guaraná gera em torno de 20 mil empregos diretos, contando campo e indústria.

URL da reportagem: http://globoruraltv.globo.com/GRural/0,27062,LTO0-4370-333744,00.html

Ad especial: Será que o nome do homi é mesmo "Top Line"?

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